No dia 30 de março de 1998 entrou em vigor a Lei nº. 9.605/1998, que ?dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente?, a qual restou denominada como Lei dos Crimes Ambientais.
Referida lei representou um avanço na proteção do meio ambiente, inaugurando ?uma sistematização da punição administrativa com severas sanções e por tipificar organicamente os crimes ecológicos, inclusive na modalidade culposa? 1 . Ainda, inovou ao prever a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, conforme visto no artigo anterior.
Embora existam diversos tipos de crime previstos na Lei nº. 9.605/1998, interessa ao presente texto os que possam se vincular à atividade de gerenciamento de resíduos, merecendo destaque os dispositivos abaixo transcritos:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena ? reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º. Se o crime é culposo:
Pena ? detenção, de seis a um ano, e multa.§ 2º. Se o crime:
I ? tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II ? causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das área afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III ? causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV ? dificultar ou impedir o uso público das praias;
V ? ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos;Pena ? reclusão, de um a cinco anos;
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena ? reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I ? abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;
II ? manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento.§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear, a pena é aumentada de um sexto a um terço.
§ 3º Se o crime é culposo:
Pena ? detenção, de seis meses a um ano, e multa.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, analisando ações propostas com base no descumprimento dos artigos legais supracitados, já decidiu:
Ementa: APELAÇÃO. CRIME DE POLUIÇÃO AMBIENTAL. Para configuração do crime do art. 54 da Lei nº 9.605/98 não basta comprovação de lançamento de resíduos sólidos ao solo, em desacordo com as exigências legais. Indispensável a comprovação da ocorrência de poluição em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. […] (Apelação Crime Nº 70065942773, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 10/09/2015)
Ementa: APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, INCISO II, E ART. 56, AMBOS DA LEI 9.605/98. Poluição causada por deposição inadequada de resíduos sólidos em área de preservação permanente, em níveis capazes de resultar danos à saúde humana e ao meio ambiente. Depósito de produtos e substâncias perigosas à saúde e ao meio ambiente, em desacordo às exigências legais. Reconstituição probatória suficiente à imposição de juízo condenatório. Decisão mantida. Apelo improvido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70066387614, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 17/12/2015)
Ementa: APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ARTIGOS 54, CAPUT E §3º E 60, DA LEI Nº 9.605/98. TIPICIDADE AFASTADA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. OMISSÃO NÃO VERIFICADA. ABSOLVIÇÃO. I – Para a comprovação dos tipos penais descritos nos artigos 54 e 60, da Lei nº 9.605/98, imprescindível a prova da potencialidade da poluição demonstrando o efetivo dano às pessoas e ao meio ambiente. […] (Apelação Crime Nº 70061816385, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 21/05/2015)
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 56 DA LEI 9.605/98. ART. 15. DA LEI 7.802/89. APLICAÇÃO E DEPÓSITO DO AGROTÓXICO EM DESACORDO COM NORMAS REGULAMENTADORAS. ATIPICIDADE MATERIAL. CASO CONCRETO. 1. Segundo parâmetros definidos pela jurisprudência, há atipicidade material, por conta a insignificância, quando houver mínima ofensividade na conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressiva lesão jurídica provocada. Precedentes. 2. […]. (Apelação Crime Nº 70071065551, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 23/02/2017)
Ementa: APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. DEPÓSITO DE PRODUTOS NOCÍVOS À SAÚDE OU AO MEIO AMBIENTE (ART. 56, DA LEI N°. 9.605/98). PERÍCIA TÉCNICA. NECESSIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Não há dúvida de que o réu mantinha em depósito as substâncias apreendidas pela Patrulha Ambiental da Brigada Militar – PATRAM, e de que era responsável pelo estabelecimento. Não obstante isso, nada há nos autos, além do auto de apreensão, que demonstre a natureza das substâncias e o seu grau de nocividade à saúde pública ou ao meio ambiente. Para a configuração do delito disposto no art. 56, da Lei n°. 9.605/98, necessária a realização de perícia técnica que comprove que os produtos e substâncias apreendidos possuem potencialidade lesiva aos bens e sujeitos protegidos pela norma. APELAÇÃO MINISTERIAL DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70068236272, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mauro Evely Vieira de Borba, Julgado em 31/03/2016)
Ementa: CRIME AMBIENTAL. FAZER FUNCIONAR ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA SEM LICENÇA AMBIENTAL. ART. 60 DA LEI 9.605/98. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. Atípica a conduta do indivíduo que faz funcionar atividade de lavagem de veículos, haja vista não estar elencada dentre as consideradas potencialmente poluidoras e sujeitas a licenciamento ambiental, previstas no anexo I da Resolução nº 237 do CONAMA. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71007006018, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em 04/09/2017)
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 60 da LEI Nº 9.605/98. DEMONSTRAÇÃO DO POTENCIAL POLUIDOR. NECESSIDADE. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. 1. Atividade desenvolvida pelo denunciado que efetivamente está dentre aquelas que, por elencadas na Resolução nº 237 do CONAMA de modo que depende de licença de funcionamento. 2. Para que reste tipificado o delito descrito no art. 60 da Lei nº 9.605/98, é necessária a demonstração de que a atividade é potencialmente poluidora, ato que, na esteira de precedentes da Turma e do STJ, depende de prova pericial. […] (Recurso Crime Nº 71006744015, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 19/06/2017)
Note-se, outrossim, que os três dispositivos legais citados não são suficientes para, sozinhos, estabelecer a ocorrência de crime ambiental, necessitando da complementação de informação constante de outras legislações (leis, decretos, resoluções, regulamentos, portarias, entre outras); trata-se de norma penal em branco. Corroborando o alegado:
Ementa: APELAÇÃO CRIME. ART. 56, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. CRIME AMBIENTAL. DEPÓSITO PRODUTO (ÓLEO DIESEL), PERIGOSO E NOCIVO À SAÚDE HUMANA E AO MEIO AMBIENTE, EM DESACORDO COM AS EXIGÊNCIAS ESTABELECIDAS EM LEIS E NOS SEUS REGULAMENTOS. NORMA PENAL EM BRANCO. I – Impõe-se a manutenção da absolvição, uma vez que não houve a descrição na denúncia da norma complementar violada, sequer existindo menção em qualquer outro documento (auto de apreensão, laudo pericial) caracterizando a inépcia da inicial. II – O Superior Tribunal de Justiça é pacífico no sentido de que em se tratando de norma penal em branco – caso dos autos -, necessária a referência na inicial a acusatória da norma complementadora, por impossibilitar a defesa adequada do denunciado. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70072924087, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 11/05/2017)
Destaca-se que sobrevindo poluição socialmente tolerada de empreendimento devidamente licenciado ambientalmente, não estará caracterizado o crime ambiental, não significando, contudo, a ausência do dever do poluidor adotar medidas que visem reduzir o impacto ambiental da atividade e de realizar a compensação ambiental e/ou indenizar.
Também chama atenção a criminalização do desatendimento das orientações dos órgãos públicos para a adoção de medidas preventivas, conforme se extrai do § 3º do art. 54.
Por fim, referência mais direta da Lei nº. 9.605/1998 ao gerenciamento de resíduos está presente no inciso II do § 1º do art. 56, na medida em que se trata de previsão legal oriunda da Lei nº. 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, compelindo, inclusive, os geradores de resíduos sólidos e os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que gerem resíduos perigosos ou não a elaboração de plano de gerenciamento de resíduos (art. 20, I e II).