Programas de reciclagem e novas leis mostram como governos podem pressionar a indústria da moda a ser mais sustentável
As montanhas de roupas no deserto do Atacama, no Chile, talvez sejam uma das imagens mais explícitas do impacto da moda, mais especificamente da fast fashion – segmento de roupas com menos qualidade e durabilidade que são vendidas por preços menores e em uma quantidade insustentável. Essas peças acabam sendo usadas por pouco tempo ou, muitas vezes, nem chegam a ser vendidas. Cerca de 10% das emissões de carbono no mundo são produzidas pela indústria da moda.
“O fast fashion busca acompanhar as principais tendências da moda, que podem fluir rapidamente. Lançam novas coleções e roupas que se aproximam do que está mais em alta no momento. Essa alta produção exige enormes quantidades de água, energia e recursos não renováveis para se concretizar. Não à toa que a indústria de moda está somente atrás da agricultura no pódio de utilização de água”, explica Hugo Silva Ito, professor do curso de Moda da UniCesumar de Maringá (PR).
Segundo dados da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (Unece), 85% de todos os têxteis vão para o lixo anualmente. Só no Brasil, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), são produzidas 170 toneladas de resíduos têxteis por ano e, desse total, 80% são destinados a lixões e aterros sanitários. Em todo o mundo, anualmente, cerca de 500 bilhões de dólares são jogados fora em roupas com pouco uso e que, muitas vezes, não são recicladas.
No Brasil, o índice de reciclagem de resíduos têxteis fica em 20%. Na Espanha, os dados são ainda piores: apenas 12% das roupas usadas são coletadas separadamente na Espanha, e 88% acabam em aterros sanitários.
Programa experimental na Espanha
Para reverter este cenário, gigantes da moda da Espanha começarão a coletar resíduos de roupas usadas em 2025 como parte de um programa experimental. Dez das maiores empresas de moda da Espanha (entre elas Zara, Inditex; H&M; IKEA; Decathlon; e Primark) vão coletar roupas descartadas a partir de abril do ano que vem como parte de um teste para gerenciar resíduos têxteis durante 12 meses, em uma iniciativa que antecipa as regulamentações da União Europeia que devem começar em 2026.
Durante o programa piloto, dezenas de contêineres de coleta serão instalados em shopping centers, lojas, igrejas e ruas pela Re-viste para coletar os tecidos indesejados em sacos que serão transportados para as fábricas para triagem.
A Re-viste, organizadora do projeto, disse que calçados, roupas e outros tecidos serão separados do lixo comum para que possam ser reciclados ou reutilizados. DE acordo com os esquemas da Diretiva-Quadro sobre Resíduos da União Europeia, pela Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR), asempresas precisam assumir a responsabilidade por todo o ciclo de vida dos seus produtos, em particular no fim da vida útil.
Fontes da indústria da moda e autoridades governamentais disseram que as novas regras não entrarão em vigor até que as empresas tenham pelo menos um ano para se ajustar. Marta Gomez, diretora de avaliação de qualidade e meio ambiente do Ministério de Transição Energética da Espanha, disse a especialistas em moda em um evento em Madri que a Espanha está esperando a aprovação dos novos regulamentos da UE antes de o país emitir regras para empresas de moda.
“Os regulamentos nos mostram o caminho, mas decidimos não esperar para cumprir as exigências legais”, disse Andres Fernandez, presidente da Re-viste e chefe de sustentabilidade da Mango, varejista que participa do teste.
O efeito das novas regras será que quanto mais roupas e calçados uma empresa vender, mais valor ela vai precisar investir para gerenciar os resíduos resultantes da sua produção.
Ainda de acordo com a Diretiva-Quadro de Resíduos da União Europeia, “a proposta fomentará a pesquisa e o desenvolvimento em tecnologias inovadoras que promovam a circularidade no setor têxtil. Ela também apoia empresas sociais envolvidas na coleta, triagem, reutilização e reciclagem de têxteis e, em última análise, incentivará os produtores a projetar produtos mais circulares.”
Os resíduos têxteis não se acumulam apenas em seu país de origem, mas são frequentemente enviados para países mais pobres, em uma prática conhecida como “colonialismo de resíduos”, a exemplo do que acontece no Chile que recebe roupas sob o argumento falso de que elas são destinadas ao comércio de peças de segunda mão. Com o o Regulamento proposto sobre remessas de resíduos, os resíduos têxteis só poderão ser exportados, “quando houver garantias de que os resíduos sejam gerenciados de forma ambientalmente correta”.
Quando a legislação for totalmente implementada, as empresas de moda dizem que a Espanha precisará de aproximadamente um contêiner de resíduos têxteis para cada 1.200 habitantes.
Legislação inédita na Califórnia
Nos Estados Unidos, mais um exemplo de como é possível combater os impactos da fast fashion vem da California, que aprovou a primeira lei de reciclagem de roupas do país.
A lei, aprovada recentemente pelo governador Gavin Newsom, exige que as empresas implementem um sistema de reciclagem para as peças que vendem. O Responsible Textile Recovery Act também traz um programa de responsabilidade estendida do produtor (EPR) de roupas, vestuários e têxteis.
“A legislação terá um grande impacto positivo no meio ambiente e nas comunidades da Califórnia”, disse o senador democrata estadual Josh Newman, autor do projeto de lei. “Não é apenas sobre reciclagem; é sobre transformar a maneira como pensamos sobre resíduos têxteis”.
Com a aprovação do projeto de lei, que vive na Califórnia poderá de levar roupas e outros tecidos danificados e indesejados para locais de coleta — incluindo brechós e instituições de caridade — para que o material seja separado e reciclado.
A nova lei determina que os produtores de roupas, roupas de cama, toalhas e estofados administrem e financiem o reparo, a reutilização e a reciclagem de seus produtos em todo o estado. “A indústria não pode mais depender de compromissos voluntários — a responsabilização agora é lei”, ressalta Rachel Kibbe, CEO da ACT e do Circular Services Group.
Nos EUA, 85% dos resíduos têxteis quais acabam em aterros sanitários, mesmo que cerca de 95% dos materiais usados para fazer roupas e tecidos sejam recicláveis. Mais de um milhão de toneladas de tecidos foram jogados fora na Califórnia em 2021, a um custo para os contribuintes de mais de US$ 70 milhões.
“Como varejista global de moda, temos um papel importante a desempenhar e é por isso que estamos transformando nossos negócios em direção à circularidade e à redução de emissões”, disse Randi Marshall, chefe regional de sustentabilidade e relações públicas da H&M para as Américas.
Marshall disse que leis semelhantes na França e na Holanda deram à H&M uma ideia de como o sistema pode operar. Na França, roupas e calçados são levados para um dos milhares de pontos de coleta para serem reciclados, e os reparos são subsidiados para encorajar os consumidores a manter os tecidos por mais tempo.
As empresas têxteis e de vestuário da Califórnia terão até 2026 para iniciar uma organização sem fins lucrativos para elaborar estratégias como programas de devolução de correspondência e locais de coleta. O programa não estará em funcionamento até pelo menos 2028.