O avanço da pauta da economia circular está jogando luz sobre um elo fundamental na cadeia da reciclagem. Os catadores de lixo ou carroceiros, como também são chamados, começam a ganhar protagonismo e estão no centro de um movimento de valorização deste tipo de trabalho. Um bom exemplo é a cooperativa YouGreen, idealizada e fundada pelo engenheiro Roger Koeppl, com um grupo de outros 21 profissionais, em 2011. O diferencial da YouGreen é a profissionalização da prestação de serviços. A logística da coleta, por exemplo, acontece em dias programados com os clientes. E há rastreabilidade do material coletado — assim que chega à cooperativa, o lixo é pesado, recebe uma etiqueta com código de barras que acompanhará o material até virar fardo prensado, pronto para ser vendido às recicladoras. Com isso, cada cliente recebe relatórios sobre quanto e quais materiais foram descartados em suas unidades.
Franquia para coleta No passado, diz Koeppl, esses relatórios eram enviados às matrizes, no caso dos clientes multinacionais, apenas como uma espécie de comprovante do que as subsidiárias estavam fazendo por aqui. Hoje, virou uma ferramenta importante para que conheçam e administrem os resíduos gerados. Com a profissionalização para um trabalho tão desvalorizado como o dos catadores, a YouGreen não só cresceu — hoje são 60 cooperados — como está expandindo seu modelo de negócio por meio de franquias. Atualmente, já são cinco em fase de implantação, em São Paulo e Rio de Janeiro, e a meta é abrir outras duas até o fim deste ano. Todo o processo leva entre seis meses e um ano e começa com due diligence, quando é verificado se a cooperativa que vai ser franqueada tem alguma pendência legal ou dívidas, como é feito com empresas. Os catadores também passam por processo de educação e treinamento. Ao final, a cooperativa convertida ao modelo da YouGreen passa a integrar um centro de serviços compartilhados que conta com recursos humanos, consultoria jurídica, treinamentos e departamento comercial, que se encarrega de captar novos clientes, inclusive em nível nacional, uma vez que muitos operam também fora do estado de São Paulo.
De acordo com Koeppl, Salvador, Manaus e Ribeirão Preto já estão em fase de prospecção. Curiosamente, diz ele, a receptividade do novo modelo tem sido maior entre empresas do que entre catadores: — A Política Nacional de Resíduos obrigou as companhias a fazerem logística reversa. Patrocinar a instalação de uma franquia tem sido uma opção, pois é possível rastrear o resíduo gerado. Já os catadores ficam desconfiados, principalmente quando lhes é dito que a renda deve aumentar consideravelmente quando passam a integrar a cooperativa. Em média, um catador ganha R$ 600 por mês. Na YouGreen, o piso é de R$ 1,8 mil. Segundo Koeppl, a instalação de uma unidade da empresa varia entre R$ 125 mil e R$ 250 mil. O investimento é único e a empresa patrocinadora recebe o pacote completo dos serviços oferecidos. — Tem sido uma opção interessante para empresas, institutos e fundações porque nosso trabalho tem função social — diz Koeppl, explicando que a maior parte dos cooperados é egressa do sistema penitenciário, imigrantes e refugiados que chegam ao Brasil sem qualquer estrutura.
Mulheres são maioria. O engenheiro eletricista Frange Dimbuma é um exemplo. Há cinco anos ele saiu do Congo e veio para o Brasil fugindo das violentas disputas étnicas e da miséria que assola o país africano. Começou na YouGreen separando o material coletado. Hoje é gerente de operações da cooperativa e faz faculdade de administração. Em comum com os catadores brasileiros, Dimbuma tem um histórico de dificuldades e necessidades. Mas exibe algo que os demais praticamente não têm: um diploma.
Levantamento que o C.Lab, laboratório de pesquisas da Nestlé, realizou em maio com 760 catadores cooperados em todo o Brasil, mostra que apenas 3% dos entrevistados têm ensino superior completo. Almoço é a principal refeição para 95% dos ouvidos. A falta de comida no prato é uma constante para quem vive de recolher materiais recicláveis: 30% deles já deixaram de fazer alguma refeição por não terem dinheiro, e outros 27% já ficaram o dia todo sem comer. — Este estudo nos permite dar voz a estes agentes para aprofundar o entendimento de suas reais necessidades e melhor direcionar nossas ações — afirma Priscilla Caselatto, gerente de Consumer Insights da Nestlé Brasil.
Outros dados da pesquisa mostram que 61% dos respondentes são mulheres, 51% têm entre 25 e 44 anos e 71% são pretos e pardos. A coleta de lixo pelas ruas é a única fonte de renda para 82% deles. Ao comparar sua vida antes e depois de integrarem uma cooperativa, a maioria dos entrevistados disse que a vida melhorou. Sessenta por cento deles tiveram aumento de renda, 43% se sentiram mais valorizados e outros 30% notaram mais segurança no trabalho. Só o fato de saírem das ruas já explica essa melhora, afirma o CEO da YouGreen, onde os cooperados trabalham dentro de um galpão, no próprio cliente, ou dirigindo um dos dois caminhões da cooperativa que recolhem os materiais nas empresas.
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